O papel das instituições na mudança necessária e urgente para evitar novas tragédias no mar
Acidente com as lanchas entre Valença e Morro de São Paulo exige união das autoridades locais, estaduais, especialistas e entidades. A preservação das vidas dos passageiros é a prioridade do momento na Costa do Dendê.
Num programa de TV, a jornalista Jéssica Smetak expressou revolta e cobrou providências sobre a tragédia ocorrida entre Valença e Cairu que vitimou Gustavo Veloso e deixou outras 14 pessoas feridas. Nada poderá trazer de volta o pai, o marido, o amigo que perdeu a vida, mas aprender as atribuições e cobrar corretamente de cada um pode ajudar a prevenir que aconteça novamente.
As autoridades, que chegaram na Gamboa logo na manhã seguinte após a colisão das lanchas, estão investigando o que de fato aconteceu e tem até 90 dias para concluir o inquérito. Entre elas está a Polícia Civil e a Capitania dos Portos, órgãos responsáveis por esclarecer as causas e circunstâncias do acidente.
São muitas informações desencontradas, mas a região, por ser um local turístico, no qual, só no trecho Valença x Gamboa x Morro de São Paulo, operam 128 embarcações, deveria ter mais conhecimento sobre quem é quem. Ou seja, qual o papel de cada entidade?
Astram – Associação de Transporte Marítimo de Valença e Cairu
A Astram é responsável pela venda e a precificação das passagens. Além disso, supervisiona todas as linhas marítimas entre Valença x Gamboa x Morro de São Paulo. Dela, quase todas as empresas e marinheiros dos dois municípios são associados.
É também a Astram que garante e fiscaliza o cumprimento dos horários das linhas, assim como a lotação das embarcações (diretamente ligada ao número de passagens cobradas nos guichês em cada horário).
APLPIT – Associação dos Proprietários das Lanchas de Passeios Volta à Ilha de Tinharé
A outra associação, a APLPIT, tem entre seus filiados os donos das lanchas de passeios Volta à Ilha, assim como alguns marinheiros que os conduzem.
Das duas lanchas envolvidas, uma é associada à Astram e a outra a APLPIT.
Capitania dos Portos / Marinha do Brasil
A fiscalização das embarcações (documentação, legalidade, cumprimento das regras navais, equipamentos de segurança, etc) é de responsabilidade da Capitania dos Portos / Marinha.
AGERBA – Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia
A autorização para o transporte de passageiros é de responsabilidade da AGERBA, que também regula o funcionamento dos terminais marítimos.
Um comunicado da AGERBA acabou confundindo muita gente. Afirmar que as linhas não tem autorização de transportar passageiros naquele trecho e suprimir a informação de que ele próprio, o órgão regulador, ainda não licitou as tais rotas, deixou as pessoas sem entender. Ora, se não licitou, mantém como está. É assim que funciona, já que impedir que as embarcações trafeguem por falta de um processo licitatório que permita levar os passageiros significaria dizer que o terceiro destino turístico da Bahia iria paralisar as suas atividades, afetando muitas comunidades do entorno.
Foi exatamente o que disse a ASTRAM em nota: “a embarcação associada SAFIRA possuía toda a documentação relativa à navegação, que é de competência da Marinha do Brasil. A AGERBA não fiscaliza a situação da segurança e tão somente da execução da operação. A ASTRAM operava através de um contrato emergencial que expirou. Para não deixar a população da região sem o serviço – que é de muita relevância – a associação continua na organização do transporte, no aguardo da realização de licitação. Informa que quando da contratação emergencial, toda a documentação exigida foi encaminhada à AGERBA”.
Todo mundo sabe que o meio mais utilizado para ir para as ilhas de Cairu é o marítimo e a maioria absoluta do movimento de quem se desloca passa por Valença. É óbvio que não pode suspender. Essa não é a discussão relevante.
Poder Público Municipal
Então, voltando ao acidente, é preciso apurar todos os detalhes e responsabilidades, inclusive cobrar providências das autoridades locais. Sim! Deles também. Porque as autoridades municipais de Valença e de Cairu deveriam ser protagonistas, tomar iniciativa, encabeçar uma força tarefa, um grupo de trabalho, se reunir com todos órgãos e tentar definir rotinas mais seguras. Urge que TODOS se unam sem a rasa e batida justificativa de que “não é comigo”, ou “o mar é da União”. Sempre se ouve isso, um jogando para o outro, que as “estradas marítimas” não são de competência do município, não são do estado, etc. “É de A, de B e de C” e acaba não sendo de ninguém. Essa conversa ultrapassada não cabe mais. É preciso chamar, sentar, conversar, acionar cada instituição e resolver. Afinal, são vidas e foi aqui que aconteceu.
Infelizmente, desafiadas a serem propositivas e liderar a união de todos, autoridades municipais se mantém no isolamento, até agora, aparentemente, como espectadoras da situação.
Possíveis providências
1) Uma ideia seria a presença constante da Capitania dos Portos na região, fazendo vistorias, como blits de trânsito, com bafômetro e tudo mais. E quem está irregular pode ficar com raiva, mas não se pode banalizar vidas e são muitas que ali precisam viajar rotineiramente.
2) Outra alternativa seria sugerir a proibição do translado de lanchas rápidas à noite, com exceção das ambulanchas em casos de emergência e, para levar passageiros, permitiria apenas os barcos convencionais: maiores, mais sinalizados, visíveis e seguros, além do fato de navegarem numa velocidade mais lenta. É uma sugestão a ser avaliada.
3) Também poderia determinar um horário para encerramento dos passeios Volta à Ilha, para evitar o trânsito noturno. Muita imprudência acontece e não tem quem evite porque tudo é muito solto, menos a arrecadação do tributo pago ao município. Isso é bem rígido. Ninguém consegue burlar. Tem aplicativo, fiscais, tudo organizado.
4) Partes mais rasas, bancos de areia ou trechos que requerem mais atenção deveriam ser sinalizados de alguma forma.
5) Outro encaminhamento seria um seguro opcional na compra das passagens, como é feito com ônibus e aviões. E passariam a ser cobradas com registro do passageiro, nome e CPF, como também já acontece com o transporte rodoviário e aéreo. Aqui na região, ainda não se identifica quem está viajando. Se ocorrer um assalto, uma importunação, um assédio ou qualquer coisa do tipo, e o criminoso fugir, por exemplo, ninguém saberá quem foi. É preciso ter lista de passageiros cadastrados a cada viagem.
6) Por fim, a Marina do Dendezeiros, que é um cais improvisado e desértico sem vigilância, poderia ser um ponto de apoio de fiscalização, uma base da Capitania / Marinha, garantindo a segurança no mar com rotina de monitoramento de todos os operadores das linhas comerciais, inclusive as de turismo, fretamento e as embarcações de uso privado.
Essas e outras tratativas devem ser debatidas de forma emergencial, CONJUNTAMENTE, gerenciadas, claro, pelas prefeituras, convocando gestores públicos e instituições que lidam com os desafios da navegação e por quem mais entenda do assunto, para que a Costa do Dendê supere os recorrentes desleixos e seja conhecida, falada, propagada e televisionada por ser o paraíso que é. E não por tragédias como a do dia 07 de abril.
Foto: Elton Andrade